quarta-feira, janeiro 11

Quando o Demônio vem - Parte II



 
Com uma voz sensual e sonoramente firme, disse virando sob os pés descalços: acaso lhe acordei? Estranhamente surpreso, talvez enfeitiçado, lhe fitou um olhar amedrontado o jovem rapaz todo encabulado. Malandramente a criatura meta humana seguiu dizendo: estava apenas de passagem e lhe ouvi, resolvi vir para tergiversar. Naquele instante em que começava a se recuperar do choque, o jovem aprumou os fios de cabelo de sobre a testa e o retrucou interrompendo: como conseguiu entrar? Levantando a palma das mãos com as joias reluzentes a se mover refletindo feixes sobre o mármore, respondeu dizendo: quando quero entrar em algum lugar, todas as portas se convergem a abrir.

Andando até a próxima cadeira pôs se a sentar apoiando-se sobre o lustroso tampão da mesa de madeira à sua frente. Com uma pele acinzentada e pálida sobre o cenário azul escuro da cozinha, seus apetrechos e o cabelo lhe davam um aspecto glacial. De corpo esculturalmente perfeito, parecia impossível qualquer sobressalto de maldade, a feição de desleixo na face e o certo desprezo lhe rendiam um ar naturalmente tentador e imperador. Olhou fixamente para o rapaz. Ele ainda divinamente impressionado, mas já acordado, lhe perguntou o nome. A gargalhadas e altos soluços respondeu dizendo: sou aquele a quem todos desejos confessam, mas a quem ninguém deseja responder. Um demônio se preferir.  

Ainda com tremula conjunção de riso, continuou: agora se me permitir, tenho muito a lhe dirigir. Ouço suas lamentações sem ser capaz de digerir, porque você, e outros tantos, a viver se nega, preocupados com o que não podem mudar, negligentes da própria vontade, escravos de uma certa chantagem, pelo apelo de se destacar?! Pobre gente essa que precisa ser vista para se sentir viva. Se não lhe falha a memória você não é alguém com relação assim tão íntima com o todo poderoso, oh, o criador, de modo que quando se estimula, sou eu a escutar suas pernósticas manifestações de ego e malcriação. Envolvido eu fico, com essa pretensa futura geração, que mal se apoia sobre os próprios pés, apaixonados pela compulsão finalizou ao se calar. 

Num instante perdido no tempo, as rajadas de luz que desciam rasgando a escuridão da esquerda davam um ar fúnebre e frio ao ambiente, que só pela metade só da face os permitia se ver. As vestimentas do demônio pareciam um contraste nebuloso e fantasmagórico com a cozinha de mármore branco espelhado. O jovem que sempre foi cético de tudo, começou a ironizar aquela situação pensando estar se tratando de um filme em ação, pensou como aquele ser, possivelmente drogado, havia adentrado em seu protegido requinte. Pensara nos patifes agentes de segurança, na incompetência do tal moderno sistema de proteção, na zoação a que aquilo tudo parecia caminhar.

Aparentemente desconcertado e um pouco desapontado disse a criatura: não sou o que pensa que sou. Conheço seus pensamentos, suas ambições e sua fome. O interior de suas maculas e pertenço aos seus mais loucos desejos, mas por essa seria difícil imaginar, afinal, não sabe quem sou e até dúvida se me pronuncio. Tinha alguma certa esperança em você, pelo menos com você, que mesmo tão regularmente aplicado, parecia dominar bem à vontade que esse não é o único plano de existência. É... Há de demorar bastante até que essa geração venha a se acabar. Nem precisam mais de demônios de tanto que conseguem se matar, mas nascem pior que praga no Egito.     

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