quinta-feira, outubro 28

Falando em política, olha ela aí: nota de falecimento.






Brasília, um dia qualquer desta primeira década do século XXI – Pereceu hoje, na capital da República, Dona Política Democrática do Bem comum, após lente agonia. Causa mortis: falência múltipla de órgãos, após septicemia generalizada. Nesta etapa terminal, seu Executivo só executava a sangue frio, o Legislativo legislava apenas em causa própria, e o Judiciário tardava e falhava. A infecção no regime representativo era crônica. Dona Política, alguns anos antes de morrer, já exalavam em seu bem equipado quarto de moribunda, um cheiro insuportável. As despesas com a longa internação e o sepultamento foram pagas por grandes conglomerados privados, a maioria do setor financeiro.

Ao velório de Dona Política compareceram altas autoridades do país. O Presidente da República deu animada entrevista para correspondentes estrangeiros, dizendo conhecer a indigitada desde os tempos da Grécia Antiga, quando era considerada amiga fiel de todos – à exceção dos escravos, das mulheres e dos estrangeiros.

Senadores de sábias cabeças brancas, contristados, confabulavam no velório. O momento de nojo (como eles continuam a denominar o luto) fez com que notórios adversários de ocasião, que tinham protagonizados recente duelo para provar quem era mais canalha, ficassem lado a lado e até trocassem algumas ideias.
Alguns representantes da esquerda também compareceram. As lágrimas sinceras pelo passamento de Dona Política Democrática não duraram muito: logo foram secando e a perplexidade deu lugar a um inusitado conformismo, na linha do “a vida é assim mesmo” e “ Deus sabe o que faz”. “ O jeito é seguir em frente e nos acostumarmos com ausência”, disse um deputado que foram líder estudantil há 30 anos, com seu corpo 30 quilos mais pesado.

Coroas de flores abarrotavam a capela. As mais vistosas eram as assinadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. O Presidente dos EUA enviou mensagem, afirmando saber o que os brasileiros estavam sentindo, pois seu país já vivera o que os brasileiros estavam sentindo, pois seus país já vivera essa perda há muito, levando o povo norte-americano a reagir com o consumo compulsivo de hambúrgueres, coca-colas, drogas , sexo e credit card. Comunicadores de elevada audiência , através da TV, explicavam que a morte era esperada , pois Dona Política, idosa e “jurássica como a ideia de Nação”, já não cumpria função relevante no mundo globalizado do capital volátil, dos fluxos especulativos sem fronteira e dos internautas egocentrados do ciberespaço.

O sepultamento será no jazigo perpétuo da família Camaleão ( aquela oligarquia pluriétnica, que muda de cor conforme a situação e sub-ética, com moral de ocasião), no poder há 500 anos. A nota dissonante das exéquias foi a invasão da capela, quando a tarde caia, por um menino maltrapilho, que circulou entre os presentes assoviando a música “ O que será”m de Chico Buarque, para constrangimento geral. Retirado por seguranças, ele sumiu da noite que chegava.

No livro de condolências encontrou-se, sem assinatura, uma estranha mensagem: “Há erro de pessoa aqui”. Esta política que já vai tarde não é a Democrática e do Bem Comum. É uma contrafação dela, nascida no ventre neoliberal da cultura narcísica, da desconstituição da pessoa como agente da História. Quem morreu, sem merecer choro nem vela, foi a política despolitizada da delegação, da desinformação, da submissão do povo como massa de manobra dos bandidos de colarinho branco. Dona Política Democrática do Bem Comum está viva e foi vista, cheia de energia, num acampamento dos sem terra, na boa luta sindical, nas comunidades pobres que se organizam, nas escolas da educação popular, na solidariedade com os desvalidos, naqueles que mantém a utopia comum de novas e fraternas relações humanas e sociais.


Créditos:

GENTILI, Pablo. Alencar, Chico. Educar na esperança em tempos de desencanto. Petrópolis: Vozes, 2005. In : ALENCAR, Chico. Educar é humanizar

Postagem: Alan Ricardo

segunda-feira, outubro 18

Eu, me apegar?

Você é cheio dos encantos e dos perigos, mas eu estou atenta, não vou me apegar.

Afinal, por que me apegaria?

Ora... Você não acha que me deixaria levar assim, tão facilmente, não é? Só porque ninguém pisca desse jeito que você pisca, meio que em câmera lenta, meio que desplugado do mundo, não quer dizer que consiga me enfeitiçar. Nem mesmo quando lê concentrado, fazendo o mundo parar de girar, ou quando o ritmo dessas piscadelas muda em função do seu humor. Nem assim conseguirá fazer com que me apegue.

Estou atenta a você e a esse seu jeito sui generis de menino. Quando você digita, olhando na tela e na tecla, na tecla e na tela, como desculpa para um intervalo à reflexão, com todo cuidado, relendo o que escreveu, avaliando e voltando às teclas bem devagar, eu quase me desmancho. Mas não, não estou me apegando!

Por mais tentadora que seja essa sua forma simples e franca de ver o mundo, de viver a vida, já me protegi toda de você. Não adianta tentar! Só porque minhas pernas ficam totalmente bambas quando você me encara bem de frente, desse jeito que não me lembro ter sido encarada antes, e porque quando aperta os olhos só pra me provocar eu perco totalmente o rumo, a noção de tempo e espaço, não quer dizer que tenha me apegado a você.

E não me venha falar com esse seu jeitinho, não. Está certo, não há no mundo alguém que misture na fala, no jeito, no som e nos movimentos esse feitiço misto de criança e ao mesmo tempo essa postura de homem tão bem resolvido consigo mesmo. Mas eu estou forte também com relação a isso, não cairei na sua teia. Por mais que tenha atingido meu ponto fraco com essa sua mania de fazer acontecer sem dizer palavra alguma.

É verdade que o jeito que você me beija chega a ser até covardia. Tinha esquecido como era perder o chão durante um beijo e ficar horas a fio solta por aí, presa apenas em seus lábios. Esqueceria da vida bagunçando seu cabelo, carinhando suas sobrancelhas e descobrindo meu próprio corpo através de você... Mas não! Não vou me apegar, e tenho dito!

E só porque onde quer que eu esteja, estão também suas músicas, suas expressões criativas, suas tiradas inusitadas, não vá achando que me apeguei. Nem porque fico rindo sozinha, lembrando das coisas que você diz e faz, ou porque fico horas e horas tentando desvendar essa sua naturalidade – que, aliás, me surpreende todos os dias, a cada aparição sua.

É verdade, admito, que te paquero o dia todo, detalhe por detalhe, e que adoro absolutamente tudo em você. Mas não vou me apegar, não, tá? O fato de ler e reler seus e-mails e suas mensagens compulsivamente não quer dizer nada também. Só porque sou viciada no seu jeito de escrever e de se expressar, não garante que, um dia, talvez, me apegue. Nem de te enxergar em tantas letras de músicas. Nem de sentir seu cheiro de repente, nos lugares mais improváveis. Nem... Estou atenta! Muito atenta!

Já percebi que é um sedutor nato. Suas músicas te denunciam. Você todo se denuncia, porque não faz questão nenhuma de fingir ser o que não é. E isso já bastaria para que eu me apegasse – caso não estivesse tão segura agora, claro. Segura de que você é, definitivamente, alguém a quem apegar-se é pouco. Você entra na gente como um fluído e vai se espalhando de uma maneira contra a qual não há defesa. Não há como apegar-se a você porque a gente passa direto por esse estágio meio termo do gostar. Ou gosta de uma vez, ou adora, você não dá alternativas menores.

E isso tudo porque você é assim, exatamente do jeitinho que é. Porque me deixa de pernas moles e coração aos pulos. Porque nunca sei bem como agir, quando ir, quando ficar. Por você, me deixo levar, perco o controle de minhas próprias resistências. Você põe em xeque toda a segurança emocional que eu criei, com tanto custo, para me proteger da dominação humana.

Há tantos porquês! Foi ali, na primeira vez que o vi, que me apeguei a você, e desse baque que eu nunca consegui entender bem, jamais vou esquecer. Te vi e já soube que era alguém especial pra mim. E agora, no meio dessa fantasia que você me faz experimentar, fico sem minhas principais defesas, afinal, diante de você sou apenas eu, da forma mais pura que consigo ser. E até isso me intriga nessa sua arte de ameaçar minha fortaleza íntima.

Você chegou em um momento em que eu estava em busca de mim mesma, com pedaços vitais espalhados por aí. Sem dizer nada, pegou minha mão, me fez lembrar tanto do que sou e me desafia nesse reencontro comigo mesma. Você desperta a loucura que habita em mim, mas que andava adormecida, que o tempo neutralizou. E que saudade que eu estava desse meu lado! Você é um risco bom de se correr. Desses, cujo o apego permanece para sempre e vai crescendo, e vai crescendo...

* Autora: Aliz de Castro Lambiazzi – Jornalista; Blog Texto Sentido (http://texto-sentido.blogspot.com/)

sábado, outubro 2

Carcaça Humana.

O corpo em si não possui mistérios. Somos todos dotados dos mesmos atributos. Pouco ou quase nada muda se comparados. Pensando de uma forma mais brusca, nos assemelhamos a pedaços de carne que se movimentam pela rua. Estamos em quase toda parte, não ache que vai achar um lugar que outra pessoa já não esteve; que outra plataforma de carne, osso e sangue já não esteve.

Agora, aflorando pensamentos mais robustos ainda. Você e eu possuímos dois pares de extensões carnais, uns mais em cima, outros mais embaixo. Os braços e pernas são ligaduras deste corpo. Tentáculos que são usados como uma pinça de reconhecimento e de sobrevivência.

Precisamos do toque de outras carnes, de outras conjugações abstratas. Afinal de contas nosso corpo é organizado ou desorganizado? Mais parecemos uma gelatina com osso. Algumas partes somente de uma carne mais especial. Que não possuem as mesmas células do resto da carcaça de postura gelatinosa que é de sangue. Gelatina de sangue? Estranho, é tudo muito estranho!

Gordos, magros, esqueléticos, carnes desproporcionais, sem perna, sem braço, sem dedo. Pedaços de carne que vivem como animais do mato, que perdem um pedaço de si mesmos para sobreviver. Uns tem as coisas no lugar certo, outros não. Cabelos, olho, unhas, produtos de uma estrutura especifica no mínimo asquerosa.

Pense em um cordão fino, feito de gordura e água que às vezes fede, imagine uma bolota cheia de um suco asqueroso, uma lamina que acumula restos da carne que soa; produz horrendos odores. Afinal de contas... O que é esse corpo? Divino ou demoníaco? Nojento ou expressão de coisa boa.

Carne com carne. Pênis com vagina. Língua com boca. Troca. O corpo já foi odiado e adorado. Hoje em dia essa realidade é constante no cotidiano. Alguns mutilam seu próprio corpo, outros o abandonam. Histórias horripilantes de descaso com o corpo dão noticia de que o corpo, a carne, essa gelatina ossificada, nada é.

As carnes bonitas são musculosas, firmes, possuíam as coisas certas no lugar exato. A cor é bela, a textura é jovial, prazer, gostosa. Os fios são delicados e surge como efeito finalizante de todo um feitiço. Eles são o que são, tem o que tem, mostra o que aparenta. Os olhos perfeitos não se enganam e fazem sentir na alma o gozo de pensar nas carnes.

Continuando com nós, com as carnes. De onde foi que você veio! Como as coisas humanas podem ser tão distintamente opostas. Umas pretas, outras brancas ou ainda umas pardas. Caixas de salubre fechadas por um órgão parecido com um plástico esticado. Cabelos, bunda, fezes, lagrima, esperma, olhos, catarro e costas. Tudo isso numa mesma caixa. Tudo junto e misturado.

Seres somente nessa vida, ou também depois desta carne apodrecer? Haverá lugar para as almas que habitam nas carnes? Belo. Prazeroso. Pessoas que vivem para o prazer dos outros. Pague ela ou ele que tu terás prazer. Carne com pedaços de outras carnes. Peito, dedo, fígado, pinta e ouvido. Tudo num mesmo lugar é só procurar que você vai achar.

Não se limite pelo que lhe dizem, ouse extrapolar o que lhe dizem. Ouça o que vem de você, mas somente de você. Não de outras forças, sendo elas humanas ou não. Imagine-se autodomínio. Seja o que nasceu contigo. Procure esquecer tudo que já lhe disseram. Você é capaz de ser você mesmo, aceite esse desafio. Pense no corpo ou nas carnes como bem quiseres. Deus-Você-Eu te fez ser o que você é. O resto são os outros e o próprio diabo.

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