quinta-feira, setembro 22

Orphan Black



 
O primeiro clone que se tem notícia aconteceu no ano de 1997 da conhecida ovelha Dolly.  De lá para cá a ciência se desenvolveu de forma acelerada. “ Em 2006, o cientista Severino Antinori declarou, a despeito de todas as discussões éticas e legais, ter feito três clones humanos em 2003 que, segundo ele, viviam muito bem no Leste Europeu. A notícia chocou o mundo e levou muita gente a considerar a realidade desses indivíduos, cópias genéticas exatas de uma matriz desconhecida para eles. ”[1]
 
A série de televisão canadense Orphan Black, que significa numa tradução aproximada para o português algo como “Órfão Desconhecido”, explora as hipóteses mirabolantes em torno da clonagem humana. A estória gira em torno de um laboratório que teria criado clones humanos com propósitos experimentais e comerciais. 

A trama inicia quando Sarah Manning assume a identidade de outra pessoa, idêntica a ela, que comete suicídio saltando na frente de um trem enquanto ela passava. Inicialmente Sarah pretendia resolver seus problemas financeiros e despistar o namorado violento, para então retornar a sua antiga identidade, mas começa a se dar conta de um mistério muito maior quando encontra outros clones iguais a ela.

A identidade assumida por Sarah pertencia a detetive de polícia Elizabeth Childs, antes de cometer suicídio ela conheceu outros clones e passou a investigar a conspiração. Aos poucos Sarah começa a entender parte dos problemas que Beth (Elizabeth) estava passando e toda a importância de saber tudo o que ela já havia descoberto. Informações que poderiam inclusive ter ligação com seu suicídio quando se jogou na frente de um trem.

Na segunda temporada, a filha de Sarah, Kira, termina desaparecendo o que dá início a uma corrida de Sarah, ainda usando a identidade de Beth, para encontrá-la. Durante essa aventura, aos poucos outros clones começam a surgir revelando segredos ocultos. Aos poucos Sarah se vê em meio a outras pessoas clones idênticas, mas com identidades e particularidades totalmente diferentes. Neste momento ainda existem poucas explicações e a a trama começa a apresentar maior complexidade e atrair o interesse do espectador.

O roteiro é bastante intenso e mistura dois elementos centrais: informações e conhecimentos científicos sobre clonagem humana e os dilemas da natureza humana em relação ao bem e ao mal. Problemas recorrentes em todas as culturas quando se trata das relações familiares, do comportamento pelo dinheiro, pelo poder e os vícios. A série também aborda questões como sexualidade, diversidades humanas e conspirações científicas com aspirações econômicas.      

O programa já está na quarta temporada e tem como protagonista a atriz canadense Tatiana Maslany que interpreta mais de 10 personagens, todos clones de uma mesma pessoa. Esse é um dos aspectos que mais chama a atenção, ou seja, como uma única atriz é capaz de assumir papeis tão diversos no jeito de falar, se vestir e se comportar. Ao mesmo tempo em que chama a atenção pela variação de clones que só aumenta com o decorrer do show, a terceira e a quarta mudam o foco para questões mais particulares como os dilemas pessoais que cada personagem passa com o decorrer da trama.                  


[1] Henrique Haddefinir. Orphan Black - 1ª Temporada | Crítica: 2003 Link: https://goo.gl/kwRJHj

segunda-feira, setembro 19

Precisamos falar sobre a morte





Existem muitas ideias erradas sobre a morte e isso faz com que quase ninguém fale sobre esse assunto sem se corroer de medo e aflição. E também não faltam bordões sobre a morte, máximas como “ninguém voltou para contar”, ou “para morrer basta estar vivo”, tem ainda “a única certeza que se tem nessa vida é a morte”. De modo geral existe um pânico e uma fobia quando se fala sobre o dia em que não estaremos mais aqui, tamanha a aflição causada por esse assunto que se tornou um tabu, uma parte obscura da breve experiência humana sobre o planeta Terra, pensar e falar sobre a morte.  

A cultura ocidental religiosa e a tradição naturalizaram a concepção de que a morte deve nos encontrar numa idade avançada, que aconteça sem dor, sem sofrimento, de preferência depois de já se ter conquistado muitas coisas e realizado muitos sonhos. Para muita gente que crê, a vida humana é tão mais especial que a dos outros animais, que depois de morrer nossas almas retornam a este mundo de outras formas, que dependendo da forma como vivemos depois de morrer iremos para um lugar bom (Céu) ou ruim (Inferno), ou ainda que simplesmente a vida é o que se vive enquanto se está vivo, não existe nada depois disso.   

Ninguém gosta de falar sobre a morte, talvez porque ninguém realmente entenda ou saiba o suficiente para dar alguma opinião convincente que tranquilize o nosso próprio ego, contrariando a expectativa de que essa vida um dia pode acabar. Outra coisa perturbante quando se tenta falar sobre morte é a sensação de que existe ou deveria existir um momento certo para a despedida. No entanto, assim como a vida, a morte é totalmente imprevisível e nem sempre pode ser explicada de forma racional ou progressiva como se houvesse um motivo que justifique seu acontecimento.

De fato, a única certeza é que lentamente ou não, caminhamos para o fim de nós mesmos. Desde o nascimento já sabemos o que nos aguarda e a morte não deveria ser ritualizada da forma negativa como geralmente se tem feito. A origem e o fim de uma vida fazem parte do mesmo processo, compõem a mesma dinâmica, são faces opostas de uma mesma moeda, completam o ciclo da vida e da experiência nesse mundo. Saber que essa vida não é eterna nos obriga a aceitar que não adianta acumular bens materiais ou achar que alguém é capaz de superar o efeito do tempo ou das circunstâncias sobre nossos corpos, tudo tem seu tempo.

Incomoda o recorrente esoterismo quando se trata da morte. Existem tantas histórias bonitas de nascimentos, mas nunca se ouve falar sobre histórias de uma bela e abençoada morte. A morte é sempre recebida com sentimentos de confusão, rebeldia, angústia e por uma enorme sensação de impotência. Poucas pessoas conseguem aceitar a morte por um viés bom, perceber que nem só a sobrevivência e a sua continuidade fazem parte da vida. Cada dia de vida deve ser vivido sabendo que caminhamos para a morte – que a qualquer momento – por motivos fúteis ou não estaremos partindo.

O desespero, a impotência e a comoção generalizada por causa da morte só alcançam quem sabe que não viveu da melhor forma, que deixou de aproveitar bons momentos com outras pessoas porque estava mais dedicado/a a materialidade dessa vida do que a temporalidade da existência. Se alguém está vivo, esse alguém está caminhando para a morte e não muito diferente do nascimento, esse momento deveria ser recebido com o mesmo sentimento de êxtase e realização. Só morre bem quem vive sabendo que vai morrer e não tem medo de viver.          
       

segunda-feira, setembro 12

O contrário do oposto



As bolhas de conservadorismo dão sempre a falsa impressão de quem manda, quem faz parte da maioria opressora, e consequentemente, quem é capaz de influenciar e determinar a opinião popular. Ao colocar essa compreensão sob suspeita é possível perceber que as questões raciais, de gênero e religiosas, estão cada dia ganhando maior visibilidade através de pessoas que exploram as contradições da natureza humana apontando a falta de legitimidade do discurso feito em nome de uma suposta maioria. As pessoas desconcertadas, andróginas, de difícil nomenclatura e classificação para a ordem imposta, confundem os papéis sociais e abrem precedentes para a anarquia dos sexos, demandando os cenários do cotidiano e angariando notoriedade às diferenças, demonstrando que nem mesmo pessoas conservadoras realmente vivem de acordo com os padrões.

A sociedade tenta exigir de todas as formas possíveis uma coerência do comportamento com o sexo biológico, alimentando um ambiente sexista que discrimina e marginaliza a diferença, ainda que aparentemente em menor intensidade, os homens têm começado a se sentir mais livres e dispostos a aceitar sua alma feminina sem se sentir menosprezados e as mulheres a incorporar a ousadia masculina sem receio de que sejam tolhidas. Ao contrário do que se pensa, o ser humano é híbrido, funciona com um equilíbrio em desajuste que se regula por diferentes caminhos em cada pessoa, a singularidade das particularidades é o que faz alguém ser quem é, de forma que qualquer postura humana recai sob uma diversidade de experiências. Discriminações geralmente refletem a ignorância dos próprios sentimentos e desejos manifestos pelos outros. Casos de repressão e aceitação são cada vez mais comuns e igualmente ameaçadores ao senso comum, demonstrando quão costumeiras são as violências verbais e físicas reproduzidas como traços de uma cultura.

Assassinatos são o efeito mais chocante e perverso da incapacidade de permitir a manifestação da individualidade dos outros, teoricamente, inclassificáveis e dispostos de uma tal forma contra hegemônica, mas diferente do que se faz crer, os atos de crueldade não são reações instantâneas, pelo contrário, são crimes cometidos com o consentimento público. As ditaduras mantêm em comum os mesmos comportamentos de opressão e de uma política absolutista, auto explicável, auto executável, naturalizadas por estorias e discursos patológicos. O espaço público está constantemente sofrendo reinvenções e em disputa por forças econômicas, políticas e sociais, mas o senso comum passa a sensação enganosa de que existe um predomínio natural de uns sobre outros.

Numa sociedade individualista e privatista, o segredo é a principal forma de explorar vivências guardadas a sete chaves, coisas que em muitos casos são contraditórias e anulam a veracidade do alter ego manifestado em sociedade. Papeis sociais assumidos em sociedade que se anulam e colocam em dúvida a legitimidade das elucubrações pessoais quando confrontados com as reais verdades secretas de cada indivíduo. A capitalização humana tem tentado adaptar os perfis assumidos em sociedade com padrões restritivos e excludentes, descaracterizando a essência das singularidades e diminuindo sua real importância.            

Quem sabe por um dilema geracional, aprendemos a agir e reagir de acordo com o olhar de quem educa a primeira vez, acontece que muitas vezes, nessa difícil tarefa de assimilação, negamos tão fortemente nossos próprios desejos que eles são esquecidos e reaparecem como ódio e intolerância. Dependendo da geração, ainda é muito difícil, quase inconcebível, lidar com pessoas que não se comportam dentro do esperado, da mesma forma que é impossível permanecer constantemente suportando atos de violência e repressão. Verdade seja dita, e que isso não atormente ninguém, mas não há uma única pessoa que se sinta totalmente confortável e plenamente satisfeita cumprindo com as obrigações e posturas apenas do seu sexo biológico.

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