sábado, fevereiro 16

As vantagens de ser invisível

Em resumo, o filme/livro As vantagens de invisível pode ser explicado, na minha concepção, em poucas palavras: a busca de sentido. Certamente, muitas questões aparecem como fundamentais ( depressão, homossexualismo, religião, etc) e leva-nos a adentrar em terrenos e movediços que ultrapassam, com razão, uma breve comentário.

A pequena resenha, na verdade, é uma resposta as situações que tenho encontrado ( tanto no meio acadêmico como pessoal ). A princípio, o livro não consegue, de maneira alguma, ser chamativo. Pessoalmente, quando ouvi falar do livro e, depois, ao assistir o trailer não achei nada de interessante em mais uma história de adolescente criado, aliás, pela produção norte-americana. A história tem tudo para ser mais uma. Nada de novidade. Essas pré-concepções podem, de fato, ser quebradas – completamente – após a leitura do livro, ou em casos distintos, prosseguirem-se. No meu caso, os dois elementos, com pouca reciprocidade, uniram-se.

O primeiro elemento, tratando-se do livro e o filme, é a sutil diferença entre a produção cinematográfica e, por outro lado, a literatura. Ambos os casos são, de fato, distantes um do outro e revelam como, no caso do filme e do livro, as nuanças estéticas de diferentes esferas da arte (geralmente, recombinam-se). Em primeiro lugar, a produção cinematográfica é produzida, em termos simples, por um emaranhado de pessoas. Uma pessoa não é capaz de produzir, a um só tempo, todo o processo de elaboração de um filme/documentário. Nesse ponto, conta-se com a participação de atores (para muitos desinformados, os mais importantes e, em alguns casos, responsáveis pelo sucesso da produção), roteirista, produção, roteirista, etc. Enfim, é uma produção coletiva e, distanciando-se da literatura, contempla um público diferente e, principalmente, com um objetivo: a venda/consumo em massa.

A literatura é uma subesfera da esfera artística. É produzida por um indivíduo, mas, sob uma perspectiva totalizante, é circunscrita em determinada época e o autor, de maneira inconsciente e, às vezes, intencionalmente transmite valores de sua sociedade; por exemplo, é possível ler Machado de Assis e, a partir de leitura sistemática das obras, extrair, com êxito, as transformações da modernidade tardia. Em outras palavras, o que demoramos tempo para aprender na faculdade/colégio sobre os tempos modernos ( e toda sua parafernália) é possível aprender com as simples obras desse escritor que, aliás, não é americano nem europeu, ao contrário, é brasileiro. 

Há muita diferente na leitura integral do livro e, por outro lado, do filme. O diferente de As Vantagens de ser Invisível (felizmente/infelizmente) é que, Stephen Chbosky, adaptou seu próprio romance para a produção cinematográfica. É um caso singular, mas que apresenta muitas diferenças em ambas as esferas, evidentemente, com aproximações forte entre o livro e o filme. Em relação à história de Charlie, em particular, chamou-me a atenção para os assuntos emblemáticos que Chbosky consegue - numa história simples e , para alguns, cheia de clichês - elencar e harmonizar elementos conflitantes . Sim, esse é o grande mérito do autor/produtor.Como dito no início, encontramo-nos, agora, no epicentro livro: o sentido. Não utilizo essa palavra de maneira aleatória, sem função alguma. 

Minha percepção do repertório construído Chbosky levou-me a privilegiar o seguinte: qual o significado do sentido na história As vantagens de ser invisível? Na verdade, o importante, não é o sentido, pois, As vantagens de ser invisível, apresenta um mundo sem sentido, caótico, com vidas a procura de algo concreto, enfim, de mudança. Então, poderíamos inverter a lógica de análise e recorrer ao "não sentido”, ou, em outras palavras, a "crise do sentido". É, a partir dessas pequenas constatações, que a história Chbosky desnuda-se como brilhante. A crise do sentido, nas palavras de Alain Bihr (2001) em “ A crise cultural” , é entendida na incapacidade de propor uma ordem significativa. O conjunto de referências sociais entra em turbulência e, mesmo recompondo-se, é impossibilitado pela ausência de dar sentido à existência coletiva e individual. A capacidade para elaborar um sentido é, para esse autor, uma das condições para a constituições de um sujeito coletivo dotado de um projeto de transformação em sociedade. Sendo assim, uma crise de sentido produz diretamente um obstáculo ao desenvolvimento das relações sociais. 

Em sociedades antigas, a ordem significante assumiu uma forma mítica, ou seja, é instituída imaginariamente a ordem real na referência de algum exterior. São valores corriqueiros, mas, para determinada época e civilização, constituíram-se como elemento fundador, por exemplo, o mito. Para muitos, o mito não passa de uma inverdade, sem embasamento, etc. No entanto, para os povos que consagraram o mito como verdade única, todos os seus elementos são legítimos e tem o objetivo de explicar, a sua maneira, o mundo. O desenvolvimento de nossa sociedade, como se percebe no atual estado, especialmente com a otimização dos valores capitalistas, não é dotado de um fundamento mítico, mas concreto (pragmático e materialista). Reduzimos valores antigos ( mitos, religiosidade), o que, segundo alguns, é chamado de tradição. Mas ainda encontramos vestígio de elementos míticos em nossa sociedade ( capitalista) , mesmo nas mais desenvolvidas, sob formas diferentes ( movimentos religiosos, esporte, cinema e, acima de tudo, na literatura). Como percebe-se, nós estamos imbuídos de uma repudia muito grande aos significados antigos, porém, ao mesmo tempo, necessitamos deles para dar sentido a nossa existência. Com os nossos valores ( pragmáticos ), infelizmente, ficamos numa inércia existencial fora do comum. Em outras palavras, não somos capazes de dar sentido à existência.

A vida de Charles é um expoente, quase perfeito, dessa realidade. Visto que é impossível viver sem dar sentido a existência e o mundo, nós procuramos, a todo custo, um sentido autêntico. Disso resulta a enorme "feira dos sentidos": cinema, religião, família e, nesse bojo, a nossa querida e arrebatadora literatura. A literatura é, por essência, um fonte aglutinadora de sentido. Tudo e qualquer coisa ganha sentido nesse mundo, mas é, na verdade, um sentido vazio e frívolo.

A personalidade de Charles ajuda-nos a compreender, de perto, essa falta de sentido. Muitos conseguiram simpatizar-se com Charlie, mas uma grande maioria repudia o introvertimento dele e, por isso, muitos leitores, como estou percebendo, apegaram-se a figura de Charlie. O não-gostar tornou-se, paradoxalmente, no verdadeiro gostar. O fato de achá-lo uma personagem incompleta, com ausência de atitudes concretas, sugerindo que o autor poderia ter trabalhado com maior cuidado na personagem, narrativa sem embasamento realístico; tudo isso leva-nos, por incrível que pareça, a gostar do personagem; a vontade de melhorá-lo, tirar alguns defeitos e enfeitá-lo com nossa identidade (o Outro, como em todo contato com o ser diferente, gera, como consequência, essa necessidade de enquadrá-lo em nossos moldes e particularidades) levam-nos a gostar de Charlie. Na literatura americana é muito comum, em Best-selles, a retratação de um cenário pré-adolescente e mesmo adolescente cheio de "duendes e fadinhas". Na maioria dos casos, trazem poucas novidades os filmes americanos. Uma vida aparentemente conturbada, cheia de problemas, mas que, na verdade, não passa de uma história chula, uma garotada bastada que, sem motivos, reclama da vida gratuitamente.

No entanto, Chbosky conseguiu como escritor e cineasta, trazer para esse livro uma séria de elementos subalternos. Chbosky colocou personagens (com inúmeros problemas) em busca de sentido nessa fase crucial da vida, construído, por sua vez, uma histórica em que determinada personagem sofre de rejeição ( Charlie ), outro ( Patrick ) que, aparentando normalidade, namora um valentão do time da escola ( homossexual); do outro lado, uma menina ( Sam ) que namora todo os cara da escola e, por último, Mary que oscila entre a religião budista e o estilo punk. Encontramos felicidades nessas personagens e, respectivamente, um sentido unitário ? Talvez sim, talvez não. O filme/livre não apresenta, como os demais , uma tirania da felicidade. Seguindo os passos ( e o pessimismo latente ) do filósofos Luiz Pondé , As vantagens de ser invisível , ecoa, aos nosso ouvidos, como um grito estridente contra a tendência de um mundo melhor, bonzinho, em que o príncipe encontra a princesas e todos, no final, terminam felizes. O paraíso, aliás, não é a melhor solução e nem sempre o "mundo melhor", na disseminação dos valores ocidentais, é a solução salvacionista.

Enfim, o livro/filme têm seus méritos. A simplória resenha é, por assim dizer, um convite lançado a todos (as).


Sugestões de leitura e bibliografia pesquisada.

BIHR, Alain. A crise cultural. In: ______________. Crise do socialismo e ofensiva neoliberal. São Paulo: Cortez, 2001.
PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor: ensaios do afeto. São Paulo: editora Leya, 2010.

Viana, Nildo. A concepção materialista da história do cinema. Porto Alegre: Asterisco, 2009.



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3 comentários:

Jorge Anderson disse...

É sempre muito empolgante receber comentários sobre o blog e das coisas dele. Ainda mais em se tratando de você meu caro e generoso amigo Adenevaldo Teles. Isso me fortalece e anima-me a continuar com à história desse blog.! Legal, teu olhar com relação as portas que se abrem apartir das possibilidades que a arte-teatro nos proporsiona e por vezes nem percebemos que somos expec-atores de nosso dia-dia. Simultanêamente... Grande Abraço. Estou contigo ^^!

A. T. disse...

Oi Alan.

Quando vi o cartaz do filme pensei a mesma coisa que vc: mais um filme americano.

Depois de toda a sua analise, não posso deixar de ficar curioso.

Abs.

Wayrone disse...

Acabei de assistir o filme nesta madrugada, e logo, lembrei-me deste post e resolvi comentar. Já que sou um comentador assíduo dos textos do Adenevaldo, agora aproveitei para comentar o seu texto. Bom, o invisível em si, como estereótipo é pouco explorado no cinema, por isso, essa temática é bastante interessante de ser discutida á luz de olhar profundamente humano e sutil. Penso que sempre que essa temática é tratada num filme americano nos dá mais a impressão de uma caricatura juvenil levada no seu sentido cômico e “besteirolizado”. Já que você desconstruiu alguns elementos simbólicos importantes para à analise do filme, é interessante comentar, do ponto de vista psicanalítico, que o pano de fundo do filme é a adolescência, um contexto de mudanças e sofrimentos. Uma vez que os problemas do garoto são próprios da adolescência, bem como também de traumas da infância e de um relacionamento com um amigo suicida. Com esses turbilhões de acontecimentos e lembranças aparecendo na sua cabeça, ele questiona a todo o momento, sofridamente o sentido da vida. O que como todo bom leitor e espectador já sabemos que só o amor (aceitação de amigos e namorada) dará um novo sentido para sua existência que lhe fora tirada – pois ele ainda não desenvolveu a capacidade permanente de amar a si próprio. Mas a maior ressalva que me refiro é que entre a negação do tradicional e abertura para receber o novo, o garoto sabia que não havia vantagem nenhuma de ser invisível, uma parte dele não queria ser notado e escondia-se em si mesmo, e outra parte havia uma expectativa latente de aceitação, pois ele só se sentia visível quando alguém o enxergava... é como se na alma dele, de novo modo, existissem muito mais perguntas do que repostas, existem muito mais referenciais do que definições – E qual deles responder ou seguir se perguntava? Esta um pergunta que ele fez e nos fazemos constantemente, pois todos nós já fomos um pouco invisível, distantes de um mundo que não nos cabia, que não tinha chão de verdade e fundamento. Ainda bem que tudo passa, né! Aliás nem tudo!... A mensagem mais difícil de ser percebida no filme é que é bom e necessário esquecer as coisas, difícil é lembra-las das mesmas em sua essência quando precisamos senti-las mais próximas ou enfrentá-las quando as mesmas nos agridem. A verdade final é que as lembranças e sensações boas e ruins mais genuínas se foram naqueles 16 anos e o jeito é viver o presente à maneira “carpe diem”, mergulhar na nostalgia do passado e planejar um futuro melhor, mesmo que não realizemos, o importante é viver e ter expectativa na vida.

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