sexta-feira, junho 17

Cachorro faz parte da família?



 
O principal animal de estimação ainda parece ser o cachorro. Talvez pela sua docilidade, submissão e bom faro. Já dizia a máxima: o cachorro é o melhor amigo do homem, mas porque será que esses animais vêm substituindo pessoas? Quer dizer, sempre foi habitual e continua sendo normal, adotar um cachorro de estimação e ele acabar sendo a companhia com quem se passa grande parte do tempo. E com o tempo, o cachorro termina sendo tratado como pessoa e se tornando um verdadeiro membro da família.

Não sei dizer ao certo o que se passa, mas tentar entender porque os cachorros têm sido mais amados que as pessoas é um desafio não muito difícil. Em geral acontece a mesma coisa, uma ausência sentida, um desejo que não se cumpriu ou ainda a simples ideia de que conviver com um animal seja mais fácil que outra pessoa ou a completa solidão. Primeiro porque eles não falam, segundo porque geralmente mantemos uma relação de completo domínio sobre o animal. Terceiro porque o animal se torna uma espécie de coisa animal totalmente domesticada e consequentemente dependente.

Cachorro agora tem marca, define modismos, classes sociais e carências. E o pensamento comum entre todos que tem cachorro é: tudo está sobre controle. E justamente a partir desse momento o animal deixa de ser animal. Começa a ser submetido à vontade humana alterando sua essência animal. A ideia do controle sobre os animais não apenas maltrata sua própria natureza, mas também causa em nós a falsa sensação de estar convivendo com o que poderia ser uma pessoa. Apesar de toda a alegria que um cachorro pode trazer para uma casa, ele não deixa de ser o que é: um cachorro, que não é gente.

A sociedade capitalista naturalizou algumas loucuras como essas, que com o tempo se tornaram motivo de respeito pela cultura burguesa. A verdade é que os cachorros e outros animais tem substituído o que se projeta ser outra pessoa. O problema talvez esteja no fato de que uma pessoa não é um cachorro e um cachorro não seja uma pessoa. Parece simples, mas as pessoas têm se confundido. O amor humano pelos cachorros é um sentimento egoísta, caso contrário, o que explica o fato de haver tantos jogados pela rua e em abrigos esperando por adoção?

Também gosto de cachorros, não resisto quando os vejo, quero logo passar a mão. Só não é possível concordar que seja normal colocar roupa em cachorro, comprar um carrinho de passeio e ter um médico só pro cachorro, que o cachorro durma na mesma cama, que seja mais respeitado que as pessoas. Que o cachorro seja paparicado e comercializado para satisfazer a projeções humanas, sendo mais um instrumento do egoísmo e hedonismo. Se vamos falar de proteção aos animais, que sejam usados parâmetros que dialoguem com a realidade e não apenas com a percepção alterada de quem tem um cachorro pra servir aos seus desejos.  

domingo, junho 12

Ava Rocha e seu Cocar de Facas



 
De voz forte, naturalmente rouca, fosca e um tanto amendoada a artista Ava Rocha lançou seu segundo disco 'Ava Patrya yndia Yracema', primeiro solo. Sua música compõe uma mistura psicodélica com fundo de soul, pegadas de rock e letras tipicamente brasileiras criando um som límpido e provocativo. Com múltiplas experiências artísticas Ava se dedica a criar música brasileira nova, ou por assim dizer, recriar sem perder as peculiaridades nacionais.    

Artisticamente seu estilo antropofágico é uma constante em suas performances sempre marcadas por uma autonomia imaginativa. Seu cocar de facas surgiu como uma ideia metafórica de transmitir a agressividade e horror das armas que violentam animais e índios. Sua postura ideológica remente sempre a natureza, a vivências na mata e a liberdade no seu sentido mais objetivo. A inovação que Ava provoca não permite lhe enquadrar num lugar dentro das atuais definições musicais, pertencendo mais a uma vertente alternativa que popular.

Com 35 anos a artista expressa pela sua postura uma completa liberdade performática e descompromissada com o usual ou o clássico tradicional. Talvez consciente da figura excêntrica que é capaz de criar no cenário musical brasileiro, tão perturbado pelas exigências da indústria cultural, Ava se mostra experiente, mansa e firme. A capa de seu último disco comunica bem essa nuance nonsense e aparentemente despretensiosa de estética quase grosseira.

quinta-feira, junho 2

Laranja é o Novo Preto



 
A série de enorme sucesso do original “Orange is The New Black” retrata a rotina de uma prisão feminina nos Estados Unidos. As cenas se passam na prisão de Lichfield onde a protagonista Piper Kerman começa a cumprir sua pena por participação no crime de comércio de drogas ilegais que a antiga namorada lhe influenciou a participar. No início, as cenas se passam no tempo presente, antes dela entrar na prisão.

O título da série faz menção ao uniforme das detentas que tem a cor laranja. Depois que entram na cadeia começa a ser o pretinho básico de todas as presidiarias. Talvez numa análise mais ampla, o nome queira fazer menção a essa nova realidade em que o laranja, de tão comum, tenha substituído a clássica cor preta que traduz elegância e estilo aos visuais. E porque não dizer, que mais cedo ou mais tarde possa vir a ser o uniforme que outras mulheres possam usar em dado momento de suas vidas na prisão, de tão habitual essa realidade.  

Depois que começa a cumprir sua pena, Piper se dá conta dos privilégios que sempre teve durante sua vida e que a maioria das outras mulheres presidiarias nunca tiveram. De origem branca, com um estilo de vida classe média alta nova iorquina, ela começa a sofrer o preconceito dos privilégios que nunca antes tinha se dado conta. Além do choque de uma nova realidade como prisioneira, Piper começa a ter de lidar com aspereza diante da posição que levava fora da cadeia sem maiores problemas.

A dura rotina se passa entre serviços obrigatórios - que nada ou quase nada muda suas penas - e o cotidiano disciplinador e intimidador imposto pelo sistema prisional. O ambiente de selvageria presente na cadeia, o preconceito e o racismo, como já é conhecido pelo estereótipo comum, acaba formando grupos de resistência, de acordo com as diferentes identidades e exclusões - negras, latinas, lésbicas e etc. O que curiosamente reproduz os guetos de exclusão presentes na sociedade exterior.

Com um apelo humorístico e dramático, a série se desenvolve em torno de disputas e reviravoltas nos comandos internos entre as prisioneiras e da própria administração que enfrenta diversos obstáculos. Como já era de se esperar também existem privilégios e chefias dentro da prisão que mudam e se reorganizam na medida em que novas situações surgem. Administrativamente fica nítida a corrupção, as fragilidades de reeducação e segurança, além das disputas entre os próprios servidores prisionais.      

Acontece que depois da chegada de sua ex-namorada na prisão, Alex Vause, Piper enfrenta dificuldades no relacionamento com o até então noivo que desconhecia essa parte de seu passado. Essa reviravolta e outros contextos que acabam se desenvolvendo com o seu noivo, acabam por fazer os dois desistir do casamento. Mais à frente, Piper e Alex terminam reatando seu relacionamento dentro da prisão, o que também rende muitos problemas.

O lado dramático da série, se passa quando retratados pequenos fragmentos da história pessoal da presidiarias, o que de certo modo, tende a explicar parte do porquê de cada uma ter ido parar na prisão. Retratos de preconceito, racismo, exclusão, discriminação e muitas vezes problemas familiares e psicológicos dão o tom na maioria das histórias. O que não somente por isso, justifica os crimes e atentados já cometidos.

Com o passar do tempo, Piper começa a mudar seu comportamento de menina burguesa e ingênua, para um lado mais sério e sombrio. Também começa a perceber que fácil é entrar na prisão, permanecer viva, sóbria e sair, é que é o problema. As regras, as disputas com outras prisioneiras e o próprio sistema carcerário, favorecem com que as pessoas nunca se livrem da cadeia ou dos prejuízos sociais que ela causa. Além da protagonista, inúmeras personagens fazem a trama se tornar hilária e chocante em muitos momentos. A série tem 3 temporadas e a quarta está prevista para ser liberada esse mês na Netflix.

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