sexta-feira, janeiro 15

Os Desencantos do Amor Livre na Modernidade





Já imaginou relacionar-se sem ter que colocar ninguém no centro de sua vida? Quer dizer, sem ser preciso viver pensando em ter que gostar apenas de uma pessoa sem se sentir culpado? Isso é, a grande maioria talvez já tenha pensado sobre o assunto e mesmo que não, é bem provável que já tenha passado por alguma situação parecida. Até porque, no que diz respeito a sentimento e desejo, não é preciso nenhuma autorização para acontecer, chega a ser bastante comum pessoas que apesar de namorar ou se casar, gostam e ficam com outras pessoas, que não uma única. 

Dessa forma fica mais fácil entender o que é amor livre e não é difícil encontrar pessoas que apesar de viver relacionamentos monogâmicos se dizem adeptas ou favoráveis à liberdade de estar com outras pessoas também. A própria expressão ‘amor livre’ deixa no ar seu significado, que de forma objetiva, quer dizer a liberdade de se relacionar sem exclusividade com ninguém. O problema surge quando se tenta colocar isso em prática. Muitas pessoas imediatamente ligam essa ideia à promiscuidade, o que de longe traduz seu real sentido e intenção.  

Socialmente, a cultura monoteísta defendida pela religião e tutelada pelo Estado, não reconhecem os relacionamentos abertos como dignos. Sua principal motivação está ligada a visões patriarcais, patrimoniais e de unicidade em compreender a realidade. A própria existência da família moderna se dá em contextos monogâmicos para a vida inteira, o que não necessariamente pressupõe a existência de amor. Mesmo que as relações privativas permaneçam sendo a forma mais usual e naturalizada de se relacionar, na prática encontra diversos dilemas.

A traição é o maior medo de quem pensa em começar um relacionamento. Isso porque os sentimentos e pensamentos de possessão, controle e hierarquia predominam sobre a espontaneidade, exigindo uma constante e infinita entrega. Apesar de sua complexidade, a traição se tornou tão previsível, que é sempre atribuída ao homem e reconhecida como inevitável pelas mulheres. Nem por isso, namoros e casamentos deixam de existir, essas relações, por mais desgastantes e desiguais, ainda que moldadas por interesses patrimoniais e sociais, tornaram-se tão comuns, que discutir suas limitações é uma afronta à sacralidade e, portanto, impossível de serem ‘consertadas’. Por isso mesmo, dificilmente alcançam a pureza e sinceridade naturais do amor.  

O respeito aos limites do próximo, jamais serviu de parâmetro para as relações a dois, isso porque, nos casamentos a regra é a completa devoção à vida do outro e a exigência de sua reciprocidade como sinal de alguma expressividade de amor. Por mais que a máxima de que ‘ninguém é de ninguém’ seja uma verdade inconsciente, a quebra com o padrão do amor romântico e idealista das relações, continua sendo um movimento associado a revolta imotivada e pejorativa. Geralmente quem defende a liberdade no amor, é recebido como anormal, aquele que pretende acabar com a família e promover algum tipo de libertinagem ou sacanagem.  

Se por um lado ainda é preciso lutar por amor livre, por outro, se reconhece que as experiências de relacionamento que temos hoje, não são livres. Muito pelo contrário, estão cristalizadas com valores distorcidos acerca do que é amor e como demonstra-lo. O machismo e o sexismo permanecem fortes e responsáveis por violências institucionalizadas contra as mulheres e os próprios homens, determinando comportamentos irracionais, criando cativeiros e fortalecendo preconceitos. Toda essa naturalização do amor romântico, descaracteriza o que não seja igual às relações do amor livre ou do poliamor.   

O amor livre não pode ser apontado como única solução para traições ou para a total igualdade entre as pessoas, antes, é preciso avançar sobre o aspecto cultural. Descontruir valores morais é tão ou mais importante que abrir espaço para manifestações de amor livre. Isso porque, se por um lado é possível estabelecer formas abertas e mais humanas de relacionamentos, por outro, é preciso combater a hipocrisia moralista. Por mais natural que possa parecer, o amor livre encontra diversas dificuldades para seu exercício por causa do preconceito. Principalmente porque reconhecer o ser humano na finitude de sua natureza, também significa garantir a mesma liberdade para homens e mulheres.

Viver relações abertas está mais ligado a concepção de amor próprio necessariamente, do que à devoção ao outro. O respeito primeiro começa em si consigo e depois para o outro com o outro, essa compreensão íntima é o que permite estabelecer relações que apesar de não se pautar na exclusividade, cria vínculos mais fortes do que a fidelidade do corpo ou da mente são capazes. O único princípio orientador do amor livre é a solidariedade ao próximo, não importando se estabelece relações parcialmente ou totalmente centralizadas, talvez por isso mesmo, continue sendo uma ideia mais bonita nos livros e imaginário anarquista, do que na própria realidade. 

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