“Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou. Mas tenho muito tempo. Temos todo o tempo do mundo (...). Veja o sol dessa manhã tão cinza. A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos”. (Tempo perdido – Legião Urbana).
“(...) os pequenos estão sempre no mar morto das circunstâncias, onde nunca as ondas se levantam por nenhuma rajada desmedida, e assim navegam sempre aos portos seguros, e sem receio; a viagem dos grandes é quase sempre feita por um oceano vasto e incompreensível, em o qual há sempre tufões furiosos, ondas encapeladas; onde há sempre riscos medonhos, e que trazem naufrágios inevitáveis (...). (Gonçalo José de Araújo e Souza)
“Hoje vai ser diferente”- veio-me esse pensamento ao olhar pela janela de minha casa e perceber, como nunca antes, que, a cada pôr-do-sol, um novo dia se aproxima. Um novo que, em contraposição ao velho, traz a possibilidade de ser (total e integralmente) diferente. Não sei exatamente o porquê, mas dessa vez, eu sinto, que terei de tomar decisões. Seria fácil, creio eu, viver sem a preocupação constante de, a cada dia, escolher um caminho. Aliás, tenho por certo que, ser neutro frente a situações que exigem nossa parcialidade, às vezes, é a melhor forma de, hoje e/ou no porvir, não sofrer com as consequências de nossas próprias decisões. Sofrer! Eu falei isso? Sim, eu falei. Pensando nesse sentido, seria melhor não sofrer, ou, simplesmente, não conviver com o jugo lastimável de que as coisas poderiam ser –ou não –melhores.
“Hoje vai ser diferente” –não posso ter medo. É preciso arriscar. Se, hoje ( ou mesmo, amanhã), vai ser diferente, eu só vou saber se deixar de lado meus medos e enfrentar, confiadamente, o dia que insisti em nascer. Nesses momentos não têm nada do mundo exterior que possa ajudar-me. Eu (consciente) e eu (inconsciente) –dois amigos, mas que, pensando psicanaliticamente, são, agora, dois inimigos querendo traçar caminhos diferentes –me acompanham nesta jornada da vida. Quem pode me entender? Pois o que estou sentido não faz parte do mundo sensorial, ou melhor, não pode ser apreendido pela nossa percepção sensorial. Quanta discrepância entre o que conhecemos por meio de nossa percepção e o que, singularmente, conhecemos somente pelo nosso pensamento, ou o que, de modo diferente, o meu eu e minha mente pode, de fato, conhecer ( eis o mistério que levou, na antiguidade, muitos filósofos a interessarem pelo conhecimento). Perceber ou pensar ? Perceber, em nossos dias, é tão fácil. Por exemplo, uma criança, por mais inocente que seja, percebe como as pessoas ( refiro-me, em especial, a juventude deste cruel e truculento século XXI) ,tornaram-se distantes ( estão , fisicamente, perto uma das outras, mas, seus pensamentos e objetivos estão distantes). Cada um procura por seu caminho. Mas aí, como pensar esses problemas ? Na hora de pensar faltam teorias, não conseguimos raciocinar (afinal, não somos, desde o Iluminismo, os indivíduos racionais por excelência ? A razão não é, tanto ontem, como hoje, nossa bússola ?), e aqueles que se aventuram em pensar esses problemas, não fogem da triste realidade de: mesmo negando as mazelas sociais/psicológicas/históricas/ econômicas (opa, são muitos “icas” que, por mais extenso que fosse esse texto não seria suficiente para abarcá-las), regressam, pois, o gigante aumenta cada vez mais. As barreiras que, gradualmente, estão sendo sedimentadas com ferro bruto, precisam de vontade e dedicação para serem, de vez, quebradas.
-“Hoje vai ser diferente” –não posso perder a(s) esperança(s). Afinal, esperança que se vê não é, realmente, esperança. Neste momento, um vento, ainda que leve, toca, suavemente, meu rosto. Não é um vento normal, sua brisa me diz que tempos melhores estão chegando. Mas, quando percebo que todo o vento perpassou meu corpo e, aos poucos, me deixa só, eu vejo –tão nitidamente – que, pela primeira vez, os meus sonhos não serão levados, ou deixados para trás. O vento pode passar, assim como muitas coisas passaram pela minha vida, e, por isso, não puderem voltar com a mesma intensidade que chegaram. Dessa vez, nada vai passar em branco. Eu vou sentir os ventos que a vida insisti em trazer-me. Assim, como o amor ( carnal ou não) pode nos tocar uma vez e durar para a vida toda, igualmente, não vou soltar esse vento. Vou aproveitá-lo, pois, como tudo é feito para não durar, esses momentos se eternizaram, na minha vida.
-“Hoje vai ser diferente” –a escolha é minha. Diferente ou não, somente o tempo me dará essa resposta. Lá fora, o mundo me espera. Preciso ir. As minhas forças que, outrora, estavam minguadas, se renovam, como fogo. Vou mudar o mundo? Hum. Talvez, seja uma pergunta que, por si só, é a mais bela e perfeita personificação do que, comumente, designamos de utopia. Não sei, de fato, se vou mudar o mundo. Mas, tenho a certeza de alguém que habita este mundo, ou, prove o doce, mas também da amarga sensação de viver, está sendo mudado. “Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio”, já dizia Heráclito de Éfeso. Contudo, porque não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio? Simplesmente, porque as águas nunca são as mesmas e nós nunca somos os mesmos. Eis aí, finalmente, a dialética da vida: uma harmonia dos contrários que não cessam de se transformar constantemente (aliás, uma viagem constante ) .Tudo muda, nós mudamos e o ontem nunca será o mesmo no presente, por isso, continuo a acreditar que: “hoje vai ser diferente”.
2 comentários:
O meu amor lindo o texto....
Texto muito bom, sua forma de escrever em primeira pessoa ficou legal. Verdade! Tudo na vida passa, e nunca volta. O tempo transforma qualquer coisa; sentimento, magoa, tristeza. Nessa viagem, a única alegria e sabermos que não somos mais os mesmos de outrora!!! Só que as vezes não sabemos, em que nos transformamos.
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