A chamada civilidade
organiza a sociedade por regramentos que comprometem hábitos e condutas,
criminalizando o ócio e a diversão, eliminando as possibilidades de expressão e
liberdade numa tentativa de assegurar a igualdade entre todos. Mesmo com todas
as limitações impostas pelos ordenamentos sociais e morais, persiste na
natureza humana o ímpeto da rebeldia, da contradição e da diferença. Se
socialmente somos obrigados a seguir determinados regramentos em nome da paz
social, coexistem diversas possibilidades de quebrar esses ambientes de
esterilidade e padronização.
E é justamente nos
espaços onde mais somos pressionados pela ordem social que podemos reverter as
bases da imposição. A rua é o maior signo da manifestação pública e oferece às
coletividades a possibilidade de subversão da ordem imposta toda vez que é
ocupada. Quando reunidos entre semelhantes o que era proibido se torna
permitido, passando da ilegalidade para a total visibilidade social. As festas,
manifestações e outras atividades realizadas nas ruas são capazes de criar
verdadeiras bolhas dentro do ordenamento social, permitindo que novas
liberdades aflorem.
A capacidade de
inflar a chamada ordem mundial/local estabelece um verdadeiro universo paralelo
entre a esterilidade da vida normal e a pluralidade da diversidade. Toda vez
que acontece uma festa de rua, instala-se a possibilidade da coexistência
pacifica entre os diferentes, ao mesmo tempo em que os riscos de contravenções
aumentam. Da mesma forma que uma coletividade é capaz de coagir e impor
determinado comportamento, outra coletividade também é capaz de usar
estrategicamente os espaços públicos para se expressar livremente.
Quando surgem essas
bolhas dentro da sociedade, significa que marginalizados e excluídos podem
finalmente ocupar os espaços protegidos e frequentados pelas classes sociais privilegiadas.
A antiga máxima de que a coletividade faz a força pode, nesse caso, até mesmo
contrariar a afirmação de que a qualidade supera a quantidade. Talvez esteja
falando de termos que não podem ser incluídos na mesma frase pelos seus
sentidos discordantes, mas o que realmente importa, é perceber a força que
temos quando permanecemos juntos por uma mesma causa.
A desregulação causada pela força
coletiva pode favorecer o aumento da imposição, da mesma forma que pode
potencializar a pluralidade das liberdades. Se a união faz a força, ela também
pode motivar a continuidade e reforma das estruturas de imposição e coerção ou
provocar uma revolução. Toda vez que formos confrontados pela força de um grupo
unido, seremos igualmente obrigados a prestar atenção nas suas compreensões e
explicações da vida. Pelo bem ou pelo mal, toda coletividade unida é capaz de
favorecer espaços de poder e reflexividade.