Maren Greenpoint
Tem sido agonizante presenciar
tanta arbitrariedade num momento em que se acredita testemunhar a existência da
democracia. Os extremistas cada vez mais convictos de suas visões fragmentadas,
fazendo reinar uma cleptocracia, enquanto continuamos caminhando com medo de
olhar pros lados. Aprendendo por indução a manter um ambiente de diplomacia e
confiança que já foi quebrado há muito tempo, enquanto cada um tenta garantir
sua cota do rombo público.
Nesses momentos é difícil
determinar se a raiva vem da própria falta de animo ou da petulância dos
escarnecedores. A lei a que todos deveríamos ser fieis perdeu seu sentido no
momento em que a vida foi subjugada a um preço. Desde que haja indenização, o
crime é apenas uma fatalidade. O capitalismo repetiu sua estrutura valorativa nas
diferentes esferas de relação social, reproduzindo injustas e mentiras em nome
do ‘laissez faire, laissez passer’
(Deixe fazer, deixe passar, o mundo vai por si próprio).
O liberalismo atingiu seu apogeu
num momento em que a ciência já poderia ter nos livrado de inúmeras doenças e
vícios. Se não fosse o desejo corrupto de auferir cada vez mais ganhos
econômicos, hoje a sociedade poderia desfrutar de outro estágio evolutivo e
humanitário. O pior não chega a ser hegemonia por si própria, mas o efeito que
produz sobre o inconsciente coletivo, alienando o exercício de direitos fundamentais.
As crises perderam seu efeito reflexivo e transformador, se tornaram mecanismos
de aceleração do capitalismo.
Quanto mais afundamos sobre os
efeitos da monetarização da vida, mais ainda aprofundamos a crise, como se
fosse possível resolver o problema de um sistema que nasceu injusto, aumentando
sua potência. A realidade está totalmente distorcida em favor do capital.
Conquanto somente uma minoria consiga ganhar com a instabilidade, a verdade é
manipulada gerando diversas anomalias. Contudo, os rombos só podem ser
realizados, porque encontram escudo numa sociedade que esconde de si própria os
erros, a falta de respeito e a vaidade.
A bem da verdade, todos
contribuímos para a existência e avanço do capitalismo e da corrupção, porque
no fundo, acabamos concordando com seu ‘modus
operandi’. Seguindo a ideologia da inevitabilidade e naturalização dos
desvios corruptos como se fossem inerentes ao sistema econômico e político. De
certa forma, a maldade e o poder sempre marcaram a história humana, afastando a
ideia de que o homem é bom por natureza.
Apesar do desejo de ser bom, o
homem continua celebrando suas fantasias narcisistas secretamente, empurrando
para debaixo do tapete o prejuízo das próprias atitudes. No fundo, as
contradições ideológicas se complementam demonstrando que ninguém nem nada
existe sem um outro diferente. Muitas vezes discutimos por coisas sem
importância, muitas vezes partindo para a violência sem atacar o verdadeiro
inimigo que está escondido em cada um de nós simultaneamente, pelo pacto social
da civilidade.
Caminhamos enxergando apenas o que
está na frente, sabendo também, que ninguém é o que parece ser. Vivendo de
acordo com a projeção dos outros sobre nós, insistindo em reproduzir e criar um
mundo que não se encaixa na natureza da vida. Espalhando a tendência de ignorar
o que cada pessoa tem e é, para conquistar o que não se pode ter e ser. Lutamos
desesperadamente contra nós e contra o mundo, para manter um sonho e
idealização que jamais poderá ser alcançado.
Quanto mais nos tornamos
obsoletos a realidade real da vida, mais tendemos a mergulhar no mundo das
idealizações, projeções e sonhos. Ignorando tudo o que não se adequa as
expectativas, tornando-se egoísta por acreditar que é diferente o suficiente
para ser excepcional no mundo, por isso, nada mais importa, desde que se
consiga, finalmente, alcançar o que jamais poderia ter. A vida real tem sido
desconsiderada e banalizada para servir a uma vida superficial que não existe,
tornando-nos inimigos de nós mesmos e dos outros, alienando-nos da realidade
real, ora compactuando, ora obrigando, a pactuar com a ‘liberdade’ que cada
pessoa possui de construir a si própria.
Já há muitos anos ecoa a pergunta
sobre até quando iremos acreditar no pecado e pensar que existe bem e mal. Como
se houvesse um caminho certo e seguro para definir um bom caráter. Parece que
vai demorar muito mais tempo até que possamos satisfazer nossos próprios
desejos e instintos sem reagir com discriminação. Levará quantos séculos até
que além de tecnologia haja também uma nova consciência de amor e liberdade que
não force ninguém a nada?
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