Já imaginou relacionar-se sem ter
que colocar ninguém no centro de sua vida? Quer dizer, sem ser preciso viver
pensando em ter que gostar apenas de uma pessoa sem se sentir culpado? Isso é,
a grande maioria talvez já tenha pensado sobre o assunto e mesmo que não, é bem
provável que já tenha passado por alguma situação parecida. Até porque, no que
diz respeito a sentimento e desejo, não é preciso nenhuma autorização para
acontecer, chega a ser bastante comum pessoas que apesar de namorar ou se
casar, gostam e ficam com outras pessoas, que não uma única.
Dessa forma fica mais fácil
entender o que é amor livre e não é difícil encontrar pessoas que apesar de
viver relacionamentos monogâmicos se dizem adeptas ou favoráveis à liberdade de
estar com outras pessoas também. A própria expressão ‘amor livre’ deixa no ar
seu significado, que de forma objetiva, quer dizer a liberdade de se relacionar
sem exclusividade com ninguém. O problema surge quando se tenta colocar isso em
prática. Muitas pessoas imediatamente ligam essa ideia à promiscuidade, o que
de longe traduz seu real sentido e intenção.
Socialmente, a cultura monoteísta
defendida pela religião e tutelada pelo Estado, não reconhecem os
relacionamentos abertos como dignos. Sua principal motivação está ligada a
visões patriarcais, patrimoniais e de unicidade em compreender a realidade. A
própria existência da família moderna se dá em contextos monogâmicos para a
vida inteira, o que não necessariamente pressupõe a existência de amor. Mesmo
que as relações privativas permaneçam sendo a forma mais usual e naturalizada
de se relacionar, na prática encontra diversos dilemas.
A traição é o maior medo de quem
pensa em começar um relacionamento. Isso porque os sentimentos e pensamentos de
possessão, controle e hierarquia predominam sobre a espontaneidade, exigindo
uma constante e infinita entrega. Apesar de sua complexidade, a traição se
tornou tão previsível, que é sempre atribuída ao homem e reconhecida como
inevitável pelas mulheres. Nem por isso, namoros e casamentos deixam de
existir, essas relações, por mais desgastantes e desiguais, ainda que moldadas
por interesses patrimoniais e sociais, tornaram-se tão comuns, que discutir suas
limitações é uma afronta à sacralidade e, portanto, impossível de serem
‘consertadas’. Por isso mesmo, dificilmente alcançam a pureza e sinceridade
naturais do amor.
O respeito aos limites do próximo,
jamais serviu de parâmetro para as relações a dois, isso porque, nos casamentos
a regra é a completa devoção à vida do outro e a exigência de sua reciprocidade
como sinal de alguma expressividade de amor. Por mais que a máxima de que
‘ninguém é de ninguém’ seja uma verdade inconsciente, a quebra com o padrão do
amor romântico e idealista das relações, continua sendo um movimento associado
a revolta imotivada e pejorativa. Geralmente quem defende a liberdade no amor,
é recebido como anormal, aquele que pretende acabar com a família e promover algum
tipo de libertinagem ou sacanagem.
Se por um lado ainda é preciso
lutar por amor livre, por outro, se reconhece que as experiências de
relacionamento que temos hoje, não são livres. Muito pelo contrário, estão
cristalizadas com valores distorcidos acerca do que é amor e como demonstra-lo.
O machismo e o sexismo permanecem fortes e responsáveis por violências institucionalizadas
contra as mulheres e os próprios homens, determinando comportamentos
irracionais, criando cativeiros e fortalecendo preconceitos. Toda essa
naturalização do amor romântico, descaracteriza o que não seja igual às
relações do amor livre ou do poliamor.
O amor livre não pode ser
apontado como única solução para traições ou para a total igualdade entre as
pessoas, antes, é preciso avançar sobre o aspecto cultural. Descontruir valores
morais é tão ou mais importante que abrir espaço para manifestações de amor
livre. Isso porque, se por um lado é possível estabelecer formas abertas e mais
humanas de relacionamentos, por outro, é preciso combater a hipocrisia
moralista. Por mais natural que possa parecer, o amor livre encontra diversas
dificuldades para seu exercício por causa do preconceito. Principalmente porque
reconhecer o ser humano na finitude de sua natureza, também significa garantir
a mesma liberdade para homens e mulheres.
Viver relações abertas está mais
ligado a concepção de amor próprio necessariamente, do que à devoção ao outro.
O respeito primeiro começa em si consigo e depois para o outro com o outro,
essa compreensão íntima é o que permite estabelecer relações que apesar de não
se pautar na exclusividade, cria vínculos mais fortes do que a fidelidade do
corpo ou da mente são capazes. O único princípio orientador do amor livre é a
solidariedade ao próximo, não importando se estabelece relações parcialmente ou
totalmente centralizadas, talvez por isso mesmo, continue sendo uma ideia mais
bonita nos livros e imaginário anarquista, do que na própria realidade.