Vivemos a expectativa de uma
democracia. Esperando uma época em que o povo realmente tenha a seu favor tudo
o que se diz ser público. Mas a realidade só demonstra que nem de longe o que
temos aí contempla os anseios coletivos, muito pelo contrário. Os direitos básicos
de se comunicar, ir e vir e ter qualidade de vida têm sido coagidos por uma
ordem invisível que estabelece a hierarquia do poder socioeconômico, o governo
do capital na sua pura expressão. Uma ditadura velada, um sistema que funciona
do jeito errado de propósito.
Expressar-se e fazê-lo livremente
tornou-se um direito complicado o suficiente para não ser exercitado pelo povo.
Não temos o direito de falar o que pensamos sem temer retaliações, violência e
a prisão. A palavra se tornou um instrumento perigoso que somente a mídia e os
poderosos podem fazer uso sem sofrer coação. A falta de espaços verdadeiramente
públicos tem nos transformado em reféns do próprio medo. Trancados em casa,
ameaçados por uma violência cotidiana, com receio de pensar, de falar o que
acredita.
Já não podemos expressar, não
podemos sair de casa, não podemos viver nossas identidades sem medo do
preconceito, da falácia moral e dos determinismos religiosos. Não podemos sonhar
com um bom trabalho sem deixar de preocupar com a falta de oportunidades e o
oportunismo do sistema político. Um sentimento comum que obriga um silêncio forçado,
uma democracia de faz de conta que amedronta a busca pela verdade e se legitima
usando mentiras.
O bom senso e a inteligência
foram surrupiados pelo egocentrismo e a acumulação. Vítimas do desequilíbrio na
distribuição de renda que nos força ao desespero. Cada dia que passa, avança o
poder do capital sobre nossas vidas, nos desligando de nós mesmos, de nossas
raízes e dos verdadeiros sentimentos. O capital apenas alimenta nosso instinto mais
primitivo de brigar entre si por uma fatia do bolo para depois colocar a culpa em
nós próprios.
De fato, o que temos hoje não é
uma democracia. Enquanto alguns falam de democratizar a democracia, precisamos
batalhar pela verdadeira democracia. Lutar para defender o amor, a liberdade e
a autonomia. Os meios tradicionais de fazer e exercitar a política já não
expressam as vontades de participação do povo. Os partidos, sindicatos,
associações e instituições foram arrogadas em interesses da hegemonia dominante
que legisla pela precarização dos direitos coletivos e sociais, perpetuando um status quo de manutenção da pobreza e
das exclusões.
Está tudo contaminado pelo jeito
errado de fazer as coisas. Se os grandes podem dobrar seus lucros, os pequenos
apenas sofrem de uma visão enganosa e prejudicial a si próprios. A imposição
dos poderes tem gerado violência, exclusão e causado verdadeiros genocídios
numa sociedade doente que prefere ver a verdade encenada pelo entretenimento. A
maioria da população vive escravizada por falsas liberdades, dominada pela
ordem político religiosa que determina o ensacamento das riquezas.
O tempo de dialogar e esperar
mudanças, de acreditar na esperança, já se esgotou. As pessoas estão morrendo
sem cair no chão. Carecemos de um impulso de vida inovador, de criar sem
recriar, sem reproduzir. É preciso subverter o significado das coisas, despertar
da anestesia da normalidade, desequilibrar as bases desse caos planejado.
Revigorar antigas utopias capazes de causar mudanças que parecem pequenas no
início, mas suficientes para estruturar reais transformações. É preciso buscar
a mudança fugindo do jeito ‘certo’ e ‘errado’ de pensar e fazer.